Às margens do Lago Paranoá e próximo à Ponte Honestino Guimarães, o Tô no Jogo completa um ano provando que o esporte pode ser praticado por todos
(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Uma briga de rua entre garotos na Vila Planalto chamou a atenção de Edison Raw. O homem desceu do carro para tentar intervir e ainda foi ofendido por um deles. Raw percebeu a rebeldia do menino, mas o convidou para o auxiliar em sua academia de tênis. A cena descrita aconteceu há mais de 20 anos. Hoje, os dois se divertem ao relembrar e concordam que o esporte pode mudar vidas. O garoto é Fábio Rocha e está com 31 anos e professor de tênis na academia do mestre, a Raw Tennis.
Para tirar o menino da situação de vulnerabilidade, Edison o chamou para ser gandula na sua academia. No dia a dia, o ex-tenista profissional percebeu que Fábio tinha jeito para o esporte e começou a treiná-lo sem cobrar nada, dando à criança os materiais para a prática. Ele acreditava no potencial do garoto, relembra o o proprietário da academia.
Na linha do pensamento de Raw, a ex-tenista profissional Claudia Chabalgoity desenvolveu um projeto de inclusão social. Às margens do Lago Paranoá e próximo à Ponte Honestino Guimarães, o Tô no Jogo, capitaneado por ela, completa um ano provando que o esporte pode ser praticado por todos. No ano passado, a iniciativa auxiliou mais de 20 pessoas com deficiência intelectual.
As aulas são oferecidas na Associação dos Servidores do Senado Federal (Assefe), no Setor de Clubes Sul, e, para este ano, 30 alunos começaram a praticar na primeira quinzena deste mês. Eles estão divididos em três turmas, sendo duas de integrantes da Associação Pestalozzi de Brasília e uma da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Cada turma tem uma aula por semana com duração de duas horas.
Nove vezes campeã do circuito de tênis da organização International Tennis Federation, o IFT, Claudia Chabalgoity conta que teve a ideia de criar o projeto quando cursava psicologia para entender o desenvolvimento intelectual de quem enfrenta limites. “Nós acreditamos que o ser humano é a parte física, mental e corporal. Por isso, podemos alcançar o maior potencial dele, de acordo com o máximo da sua capacidade”, explica. A ex-campeã diz que não faz comparações entre os alunos e que trabalha para que consigam ter uma vida mais autônoma, de acordo com o que cada um consegue desenvolver.
Entre os alunos, o atleta de corrida Luciano Rocha, 40 anos, morador do Riacho Fundo, conta que nunca havia praticado tênis e está satisfeito com a nova experiência. “O que mais importa para mim é praticar esporte, porque inclui as pessoas. Quem sabe, futuramente, a gente possa até participar de alguma competição mundial”, planeja o jogador atendido pela Pestalozzi.
Consciência
Na semana passada, quando o Correio assistiu a uma das aulas, os alunos participantes passavam por avaliação física e psicológica — a primeira etapa do projeto. “A gente faz testes para ver a flexibilidade, mobilidade, foco, concentração, equilíbrio, coordenação e a própria técnica do tênis”, explica a coordenadora de práticas integrativas Isabel Nabuco, que também é especialista em antiginástica.
Ela reforça que as atividades do Tô no Jogo são feitas dentro e fora da quadra. “É um trabalho de consciência de si, porque a musculatura está envolvida com as emoções. A antiginástica acredita que um corpo mais flexível, mais relaxado, é mais forte e mais disposto a qualquer coisa”, explica Isabel. Além dela e da tenista, a equipe do Tô no Jogo é formada por um técnico no esporte, um psicólogo e uma terapeuta ocupacional. O projeto é patrocinado pelo Banco de Brasília (BRB), mas os organizadores estão em busca de mais apoiadores porque, em breve, desejam atender cadeirantes.
Voltando à história no menino briguento, as desavenças entre os dois foram transformadas em amizade que se aproxima ao amor de pai e filho. O rapaz se formou em educação física e, desde o início da juventude, também dá aula na empresa de Raw. Satisfeito em ver Fábio formado, o professor conta que, por diversas vezes, também recebeu em sua academia meninos sem condições financeiras. “Eu não planejei nada disso, começou de uma forma muito natural”, diz. Para ele, apesar de ser conhecido por muitos como um esporte elitista, o tênis tem espaço para todos.